Ele é folclórico, cor de
laranja, faz caretas, xinga quem quer e participa de bacanais.
Com tantos “predicados”, o
bilionário Donald Trump contrariou pesquisas de opinião e os prognósticos dos
principais veículos de imprensa dos Estados Unidos e ganhou o posto de
presidente do país mais poderoso do mundo. Conseguir isto entendendo os anseios
da velha e imbatível maioria silenciosa, mesmo sendo quase que completamente
desacreditado pela sua própria base partidária do Partido Republicano.
O primeiro ponto para
desvendar o fenômeno é tentar entender as razões que levaram os eleitores
norte-americanos a substituir a figura do bom moço Barack Obama pelo arrogante
e espalhafatoso Trump.
Para tanto é preciso voltar
no tempo uns 80 anos, pouco antes do estouro da Segunda Grande Guerra. Naquela
época os EUA era um país formado predominantemente por imigrantes europeus, mas
que haviam simplesmente cortado os seus laços culturais e políticos com os
países de origem. O isolacionismo significava fechar as portas para uma Europa
belicosa e tocar a vida; construir a “América” através da construção da riqueza
de cada cidadão.
Este modelo foi derrubado de
vez pelo ataque japonês a Pearl Harbor e a partir dali, com uma base
empreendedora muito bem forjada, os norte-americanos aprenderam rapidamente – e
muito bem - a fabricar armas e guerrear nos padrões do século XX. Ao final do
conflito global, lá estava uma nação que pouco tempo antes fazia questão de seu
papel coadjuvante na geopolítica mundial, com o mundo ocidental praticamente
aos seus pés.
A sequência: sob a batuta do
ator Ronald Reagan (presidente dos EUA entre 1981 e 1989), os norte-americanos
se deliciaram com a lorota do programa “Guerra nas Estrelas” que acabou por
determinar a destruição da cortina de ferro e o fim da União Soviética.
Assim, de 1991 a 2001 não
tinha para ninguém: os EUA eram hegemônicos sem rival.
Entretanto, a história
mostra que tal tipo de domínio absoluto dura pouco tempo. Nos tempos de sossego
excessivo é que começam a germinar as sementes da instabilidade. No caso,
falamos da ascensão econômica e militar da China, além do modelo de guerra pelo
terrorismo, onde não há, objetivamente, um território que defina a casa do
inimigo, o que bagunçou todos os modelos de guerra até então conhecidos pela
humanidade.
O dia 11 de setembro de
2001, praticamente na abertura do terceiro milênio, marcou o trágico início de
uma nova era das relações geoeconômicas e geopolíticas no mundo.
Pelo lado do terrorismo, o
medo começou a tomar conta das populações norte-americana e europeia. No campo
econômico, o deslocamento massivo da produção industrial global para o
território chinês gerou o temor do desemprego daqueles trabalhadores habituados
à linha de produção.
A gota d’água que detonou
com a sensação de segurança foi a crise migratória, relacionada aos habitantes
do Oriente Médio e Norte da África, em fuga das guerras relacionadas ao
fundamentalismo religioso.
Estes três fatores atingiram
a União Europeia antes dos EUA, provocando, inclusive, a inesperada saída do
Reino Unido do bloco econômico por plebiscito, evento mais conhecido com
Brexit.
O fato é que na medida em
que as pessoas se sentem mais inseguras, a tendência é que elas busquem maiores
graus de proteção contra as hostilidades externas.
No caso de nós, brasileiros,
é fácil diagnosticar o crescente medo do banditismo. Cercas elétricas, câmeras de
vigilância, carros de vidros fechados, muros e portas cada vez mais intransponíveis
para estranhos, mostram tal necessidade de segurança.
Mas se a ameaça é do
exterior, o “muro” naturalmente ocorre pelo zelo nas fronteiras.
Barack Obama, com toda a sua
simpatia e jeito de menino legal não viu - ou preferiu ignorar - os temores de
seu povo: cuidou relativamente bem das questões pontuais relacionadas ao
terrorismo, mas avaliou mal – para fins eleitorais – a questão migratória e a
perda do protagonismo da produção industrial. A política via web, usada com
habilidade pelo ex-presidente, pautou também a campanha de sua provável, mas
fracassada sucessora, Hillary Clinton.
Donald Trump, um comunicador
de sucesso, soube ver que o “povão” não estava muito à vontade de postar ou
comentar opiniões na internet, a exemplo do que se chama “a elite intelectual
do planeta”.
O atual presidente dos EUA
foi capaz de enxergar e incorporar em seu discurso e encenações folclóricas os
anseios de um povo de saco cheio em simplesmente ser bonzinho abrindo mão de
seus interesses: viver em um país sem ameaças econômicas e bélicas oriundas de
outras partes do mundo. Isto inclui até boa parte dos hispânicos, clandestinos
há poucos anos, mas que avaliaram que a entrada indiscriminada de seus antigos conterrâneos
seria uma ameaça ao próprio status, conquistas de trabalho e realização financeira.
Se isto é moralmente certo
ou errado, não vem ao caso. O fato é que Donald Trump está simplesmente – e do
seu jeito – fazendo o que seu eleitorado quer: muro de isolamento do México;
quebra de acordos comerciais internacionais para garantir a empregabilidade
interna; restrição à entrada de novos imigrantes; e cuidado extremo com a
ameaça guerreira do fundamentalismo islâmico.
Talvez o momento atual do
presidente norte-americano seja mero jogo de cena para agradar sua torcida de
eleitores e ele modere no futuro.
Mas também pode ser que
esteja em jogo uma mudança geopolítica da maior importância para a história
mundial: junto com os EUA, a Grã Bretanha e boa parte da Europa buscam proteger
suas fronteiras econômicas e geográficas de ameaças externas e isto tem sido um
balde de água fria na globalização. Aparentemente, os ventos sopram para um ao
menos parcial retorno aos tempos anteriores a Pearl Harbour.
O pior que podemos fazer, enquanto
Brasil, é ficarmos olhando este fenômeno, nos contentando em acha-lo um
absurdo. Fatos, por mais absurdo que sejam, são fatos.
É inadiável que o nosso país
repense sua política externa, ou pagaremos muitíssimo caro pela omissão
pragmática em um futuro que talvez não tarde a chegar.
Eduardo Starosta